quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Se eu tivesse um barco...

Durante anos, Rubem Braga publicava ao fim de suas crônicas na revista “Manchete” uma seção sob o título “A poesia é necessária”. Evidente que os poetas escolhidos eram os de sua preferência. Imitando o mestre, gostaria de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto intitulado “Cais matutino”.

“Mercado do peixe, mercado da aurora:/ cantigas, apelos, pregões e risadas/ à proa dos barcos que chegam de fora./ Cordames e redes dormindo no fundo;/ à popa estendida, as velas molhadas;/ foi noite de chuva nos mares do mundo.”

“Pureza do largo, pureza da aurora./ Há viscos de sangue no solo da feira,/ se eu tivesse um barco, partiria agora./ O longe que aspiro no vento salgado/ tem gosto de um corpo que cintila e cheira/ para mim sozinho num mar ignorado.”

Com o fim da campanha eleitoral e a eleição da nova presidente da República, com a enxurrada de palpites, previsões, análises, comentários e notícias em geral, a melhor forma de reagir contra o tsunami da ocasião foi buscar um sítio mais elevado para melhor apreciar os acontecimentos.

Ao contrário do que muitos pensam, a poesia não é recurso de covardes e alienados. Nunca, jamais em tempo algum, cometi um verso, um poema. Não quer dizer que seja corajoso e antenado com a realidade atual. Mas frequentes vezes apelo para ela quando sinto que a poesia expressa um momento que estou vivendo. O “mar ignorado” do poema de Ribeiro Couto define o universo que me foi dado navegar sem ser preciso.

Tomei conhecimento do poeta quando li, na adolescência, um livro que muito me marcou: “Presença de santa Terezinha”. Tinha ilustrações de Portinari. Apesar de um pouco esquecido, considero Ribeiro Couto, diplomata e acadêmico, um dos maiores poetas de nosso modernismo.

Publicado em 02/11/2010


redacao@gazetadopovo.com.br (Carlos Heitor Cony)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

SANTA CECILIA

22 de Novembro - Dia de Santa Cecília, Padroeira dos Músicos

No dia 22 de Novembro, comemora-se o Dia do Músico. É também o dia da padroeira dos músicos, Santa Cecília.

Segundo a Igreja Católica, Cecília era uma jovem e bela romana. Nascida no século II, foi prometida em casamento ao jovem Valeriano. No dia das núpcias confessou ao noivo que havia consagrado sua pureza a Jesus Cristo e que um anjo guardava sua virgindade.

Valeriano, que era ateu, disse que respeitaria sua vontade, desde que ele visse o tal anjo. Cecília então pediu que ele procurasse o bispo Urbano, para que fosse batizado e purificado. Seguindo as instruções da noiva, Valeriano tornou-se cristão e teve a visão do anjo. O casal passou então a professar junto a fé cristã, tendo convertido também Tibúrcio, irmão de Valeriano.

A todos que receberam este dom divino de cantar, compor ou tocar um instrumento, os parabéns do Portoweb e os votos de que sua música contribua para a construção de um mundo cada vez melhor. 

Oração do Músico

Deus, Todo-Poderoso, que nos destes a vida, os sons da natureza,

o dom do ritmo, do compasso e da afinação das notas musicais,

dai-me a graça de conseguir técnica aprimorada em meu instrumento,

a fim de que eu possa exteriorizar meus sentimentos através dos sons.


Permiti, Senhor, que os sons por mim emitidos

sejam capazes de acalmar nossos irmãos perturbados,

de curar os doentes e de animar os deprimidos;

que sejam brilhantes como as estrelas

e suaves como o veludo.

Permiti Senhor, que todo o ser que ouvir o som do meu instrumento

sinta-se bem e pressinta a Vossa Presença.

domingo, 28 de novembro de 2010

Todo mundo tem nostalgia....

Todo mundo tem nostalgia por um outro lugar. Todo mundo gostaria de se mudar para um outro lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar.
A vida é assim. Seria bom se as alternativas com que nos defrontamos fossem sempre entre o certo e o errado, o bom e o mau. Seria fácil viver. Mas há situações que nos colocam diante de alternativas igualmente dolorosas e de resultado incerto.(Rubem Alves).

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Vou-me embora pra Pasárgada...

Quando o assunto é política eu costumo dizer que eu acho o seguinte: Como quem acha não sabe nada, então não sei nada sobre essa matéria.
Diante da dúvida de quem eu vou votar, se é  Nesse ou Naquele.
Resolvi  pegar uma carona com o Poeta Manuel Bandeira e Vou-me embora prá Pasárgada, também.
Nem mesmo precisarei  justifcar o voto , pois lá sou amigo do amigo do Rei.

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

(Manuel Bandeira)

sábado, 11 de setembro de 2010

O Jeito, no Momento, é ver a Banda passar...

O poeta maior Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe uma crônica, publicada no correio da manhã:

O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciado.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Parabéns a Você Vasco da Gama pelos 112 anos de glória !!!!!!


Nunca pense que está sozinho quando você vive futebol, respira futebol. Isso significa que você faz parte dessa paixão mundial pela bola porque, futebol além de um esporte, é um ideal de vida.
Vinícius de Morais

domingo, 11 de julho de 2010

ALENTO

Violão esquecido num canto é silêncio
Coração encolhido no peito é desprezo
Solidão hospedada no leito é ausência
A paixão refletida num pranto, ai, é tristeza
Um olhar espiando o vazio é lembrança
Um desejo trazido no vento é saudade
Um desvio na curva do tempo é distância
E um poeta que acaba vadio, ai, é destino
A vida da gente é mistério
A estrada do tempo é segredo
O sonho perdido é espelho
O alento de tudo é canção
O fio do enredo é mentira
A história do mundo é brinquedo
O verso do samba é conselho
E tudo o que eu disse é ilusão
Paulinho da Viola

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Santo Antonio de Lisboa, Florianópolis

 
Santo Antônio de Lisboa foi uma das primeiras comunidades fundadas por imigrantes açorianos que chegaram à ilha na metade do século XVIII. Até o início do século passado foi um dos principais pólos da cidade do Desterro, junto com as Freguesias da Lagoa da Conceição, da Vila Capital (no centro) e do Ribeirão da Ilha. Por estes motivos, Santo Antônio de Lisboa é conhecido por ser um refúgio de belas construções e belas paisagens. Da praia pode-se avistar a Baía Norte e o Continente. A freguesia, conserva além da arquitetura tradicional, costumes herdados pelos colonizadores açorianos como a Festa do Divino Espírito Santo, o Terno de Reis e o Cacumbi. 
Pela localização priviligiada (em média está a 25 km do aeroporto, 15 km do centro e 12 km das principais praias do norte da Ilha) e também pela tranqüilidade e belezas naturais, essa região, incluindo o Bairro de João Paulo, tem sido muito valorizada nos últimos anos. Atualmente é considerada uma das regiões mais nobres de toda Ilha. 
Vários grupos de danças folclóricas como o Pau de Fita, Boi de Mamão e a Ratoeira, formados por membros da própria comunidade, são incentivados através de festas religiosas a manter os costumes e as tradições açorianas.
 Um Passeio inesquecível

sexta-feira, 28 de maio de 2010

" O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
   Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
  – Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Creio

 Guilherme de A. e Almeida*
Para que ninguém me julgue, como eu me julgo, um cético...do grego "skeptikós", que significava aquele que costuma examinar e refletir, e que, paradoxalmente, passou a significar aquele que de tudo duvida...resolvi revelar o meu "Credo" íntimo, que é o seguinte: 

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Os Bares de Ontem


Ontem, em mais numa dessas noites frias da nossa Capital, resolvi ir beber uma original e comer um sanduíche com cheirinho verde ali no bar Zezito’s, no Água-Verde, antes de terminar de tomar o primeiro copo de cerveja vi encima do balcão um exemplar do jornal Cult Curitibano datado de março de 2010, do qual extrai essa pérola publicada na pág. 08, do periódico, (Os Bares de Ontem.)
“E ponha ontem nisso...Hoje, o que se vê é uma verdadeira invasão de bares e botecos em comparação à década de 70 e início dos anos 80.
Longe ficaram lembranças dos locais por onde andávamos, alguns excelentes, outros nem tanto, mas todos inesquecíveis. Mesmo os ruins eram bons, pois não tínhamos tantas opções quanto as opções dos dias de hoje.
Comecemos pela Confeitaria Cometa, que marcou época com o famoso sanduíche de pernil com verde, mesas de mármore branco, garçons profissionais e uma cerveja Antártica que fazia inveja aos melhores bebedores da época. Grandes prosas, grandes porres, grandes chás (também serviam torta de maça, à tarde, claro).
Bar Stuart, aquele antigo, marcou época com sorteios de carnes in natura, pernil gelado, peru fresco e mais um monte de atrações.
Você chegava em casa com um pernil debaixo do braço para lembrar somente no dia seguinte que havia ganho na rifa do Stuart. E a empadinha famosa, gostosa, apetitosa, vozes que se misturavam à alegria do convívio de amigos e conhecidos.
“Lá no Pasquale”, o bar do passeio público, que agitou os anos 80, mas existia muito antes disto. Até o prefeito Jaime Lerner freqüentava, daí a moda pegou mesmo. Um ponto que era obrigatório para ver e ser visto, tamanha a confusão de gente, gente de todo tipo e idade. Deliciosos petiscos e o chopp mais gelado e bem tirado daqueles tempos. Principalmente aos sábados.
Lanchonete Túnel, na Comendador. Não tanto um bar, mas sim um local de lanches e bebericos, que abrigava mesas e turmas em um retângulo onde muitos iniciaram a prática do álcool. Naquela idade, era ainda novidade.
Rainha Careca, no Batel. Pequeno, mas enorme para receber gente alegre, bonita, gente atrás de gente, mas sadia. Toquei muito piano naquele bar e sempre ao lado de amigos.
Meio-fio, ao lado da Divina Providência, embaixo de onde é a Fundação Cultural de Curitiba. O bar mais aconchegante daqueles tempos. O vinho era brilhantemente servido e o atendimento era impecável. E o piano de parede soou algumas vezes em companhia do meu amigo Eduy Ferro, nas madrugadas frias de Curitiba.
Cirandeiro, um dos melhores pontos da década de 70, onde o samba era tocado com maestria, a alegria imperava da porta de entrada até a hora da saída, a bebida era honesta com o preço e o povo se divertia.
Velha Adega, quando do meu amigo Tatára, excelente boteco para encontros e desencontros. Atendimento precário, mas ambiente de primeira, bebida gelada, gente bonita, mulheres e mais mulheres para colorir a noite. O perigo era aquela escada tanto na hora da chegada quanto na hora da saída. Ali, escapei de uma surra, graças ao amigo Aldo Malucelli. Coisas de cerveja demais.
Calabouço, o bar do Dino Almeida, no coração do Largo da Ordem. Ambiente de primeira linha, astral sensacional e só lá tinha a Norteña, uma cerveja uruguaia, novidade na época. Grandes noitadas. Eu e o Marco Basseti éramos “habitues” do local.
Nilo Samba e Choro, o primeiro, ali na Mateus Leme, atrás da Igreja da Ordem. Abençoado local, onde várias e várias madrugadas foram curtidas ao som do regional mais afinado de chorinho e MPB daqueles tempos. Atendimento simples, mas bebida sempre gelada, pizza no palito especial e música, muita música da boa, com rodízio de pessoal da madrugada todos os dias.
No Nilo, muitos textos foram escritos em guardanapos de papel, inclusive um em homenagem ao filho da Leninha, que ela guarda até hoje na carteira.
Janjill, na Praça Osório. O chopinho mais animado do final da tarde. Gente bonita, vista privilegiada, atendimento qualificado. Grande ambiente na sobreloja mais movimentada da Praça. Belo chopp e um monte de gente de fora de Curitiba que foi se adaptando por ali, inicialmente.
Sombrero, na Sete de Setembro, que existe até hoje, mas as melhores histórias ficaram mesmo em 1970 em diante. Astral legal, principalmente no verão, o Sombrero era conhecido pela maioria dos cachaceiros de antigamente. No bom sentido, claro.
O primeiro Kappelle, na Barão do Cerro Azul, onde Osvaldo e Mara atendiam a todos juntos com o John, o sócio estrangeiro da casa. Ali comia-se a melhor carne de onça de todos os tempos, com broa preta caseira e o chopp tirado com maestria.
Osvaldo deixou saudades. Bom bar, bom ponto, boa época. Nos encontrávamos ali quase todos os dias, melhor, as noites. Saía da faculdade e lá ia encontrar a raça.
Bar do Alemão, no Largo da Ordem, sobrevivente valente até os dias de hoje, mantendo astral e comida boa, atendimento impecável e gente bonita. Turistas somente nos finais de semana, mas gente boa de terça à quinta. Belo local. Boas comidas alemãs e astral muito bom.
Hummel Hummel, mais restaurante do que bar, mas mesmo assim, um excelente local para bater papo já a partir das seis e meia da tarde. Para jantar , o melhor Hering com nata do sul do Brasil.
Brasileirinho, onde a Soninha recebia amigos desde a cinco e meia da tarde e onde bebíamos de tudo um pouco, até amanhecer o dia. Astral e atendimento de primeira linha, bebida honesta, grandes histórias e grandes causos.
Sem dúvida, alguns bares aqui foram esquecidos devido ao espaço, mas desde que os bares existem, o astral vem atrás.
E hoje, centenas de bares nos rodeiam, atraindo públicos diferentes, pessoas jovens e mais velhas, misturando tudo numa alegria única de noite de Curitiba, que não deve mais nada para São Paulo ou Rio.
Mesmo agora, sem poder fumar, vamos ver que nada diminuirá a vontade do curitibano de sair de casa. Ainda bem.”

O Pescador

terça-feira, 30 de março de 2010

Peladas - Armando Nogueira


Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.

E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: "eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe." Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.

Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro jogo sem camisa.

Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.

Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.

Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati.

No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.

Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.

Nova saída.

Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.

O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.

Em cada gomo o coração de uma criança.


Armando Nogueira
é um estilista, na medida em que escreve sobre futebol a partir de uma consciência artesanal que envolve suas crônicas de um grau de literaridade tal, que elas, hoje, constituem páginas realmente literárias com toda a força imagística, poética, carga épica e dramática, que costumam envolver tais criações. Tem dois livros lançados, "Bola na rede", e "A chama que não se apaga", sobre as cinco olimpíadas que cobriu como jornalista. Hoje colabora com diversos jornais, que publicam suas crônicas esportivas, e mantêm programa em um emissora de televisão.


Do livro "
Os melhores da crônica brasileira", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1977, pág. 29, extraímos o texto acima.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

Qual a sua experiência ?

Eu já dei risada até a barriga doer, já nadei até perder o fôlego, já chorei até dormir e acordei com o rosto desfigurado, já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar, já me queimei brincando com vela. Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto, já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo. Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista. Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora, já passei trote por telefone, já tomei banho de chuva e acabei me viciando. Já roubei beijo, já fiz confissões antes de dormir num quarto escuro pro meu melhor amigo. Já confundi sentimentos, já peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido. Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro, já me cortei fazendo a barba apressado, já chorei ouvindo música no ônibus. Já tentei esquecer algumas pessoas, mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer. Já subi escondido no telhado pra tentar pegar as estrelas, já subi em árvore para roubar frutas, já caí da escada de bunda. Conheci a morte de perto e agora anseio pra viver cada dia. Já fiz juras eternas, já escrevi no muro da escola, já chorei sentado no chão do banheiro, já fugi de casa pra sempre e voltei noutro instante. Já sai pra caminhar sem rumo, sem nada na cabeça ouvindo estrelas. Já sorri pra não deixar alguém chorando, já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só. Já vi o pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado, já me joguei na piscina sem vontade voltar, já bebi uísque até sentir dormente os meus lábios, já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei o meu lugar. Já senti medo de escuro, já tremi de nervoso, já quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial. Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar, já apostei em correr descalço na rua, já gritei de felicidade, já roubei rosas num enorme jardim, já me apaixonei e achei que era pra sempre. Já deitei na grama de madrugada e vi a lua virar sol, já chorei por ver amigos partindo, mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem razão. São todas coisas feitas, momentos fotografados pelas lentes da emoção, guardado num baú chamado coração. Essa são algumas das minha experiências...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Era uma vez...

Nessa minha vida boemia, freqüentei alguns bares que só de lembrar que estive lá numa noite, fico ainda apavorado. Como diz um amigo, sópordeus.
Mas como na vida de um boêmio nem tudo é desperdício, a pouco tempo atrás nessa divertida e atabalhoada caminhada, conheci o poeta Fabiano, para muitos ainda um desconhecido, prá mim já é realidade, ele me conta que, quando não está lendo Dostoevski, escreve, é dele essa pérola abaixo:

Era uma vez um poeta
Que não possuía beleza
E que através da sua caneta
Tentou conquistar a princesa
Furou os olhos da coitada
Não é lenda
Não é mito
Hoje ela não enxerga nada
E ele é o seu príncipe bonito

(Fabiano Jacob Barcellos)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Vivendo e desaprendendo

Eu sabia fazer pandorga (pipa) e hoje não sei mais, duvido que se hoje pegasse uma bola de gude conseguisse equilibrá-la na dobra do dedo indicador sobre a unha do polegar, quanto mais jogá-la com a precisão que tinha quando era garoto. Outra coisa: Acabo de procurar no dicionário, pela primeira vez o significado da palavra “gude”. Quando eu era garoto nunca pensei nisso, eu sabia que gude era gude. Gude era gude.

Juntando-se duas mãos de um determinado jeito com os polegares para dentro, e assoprando pelo buraquinho, tirava-se um silvo bonito que inclusive, variava de tom conforme o posicionamento das mãos. Hoje não sei mais como é. Eu sabia a fórmula de fazer cola caseira. Algo envolvendo farinha e água e muita confusão na cozinha, de onde éramos expulsos sobre ameaças. Hoje não sei mais.

A gente começa a contar depois de ver um relâmpago e o número a que chegasse quando ouvia a trovoada, multiplicando por outro número, dava a distância exata do relâmpago. Não sei mais que número é esse.

Ainda no terreno dos sons: tinha uma folha que a gente dobrava e, se ela rachasse de um certo jeito, dava um razoável pistom em miniatura. Nunca mais encontrei a tal folha.

E espremendo-se a mão entre o braço e o corpo, claro tinha-se o chamado trombone axilar, que muito perturbava os mais velhos; não consigo mais tirar o mesmo som. É verdade que não tenho tentado com muito empenho.

Lembro o orgulho com o que consegui, pela primeira vez cuspir corretamente pelo espaço adequado entre os dentes de cima e a ponta da língua de modo que o cuspe ganhasse distância e pudesse ser mirado com prática, conseguia controlar a trajetória elíptica da cusparada com uma mínima margem de erro. Era puro instinto. Hoje o mesmo feito requeria complicados cálculos de balística e eu provável só acertaria a frente da minha camisa. Outra habilidade perdida.

Na verdade deve-se revisar aquela antiga frase, é vivendo e desaprendendo, não falo daquelas coisas que deixamos de fazer porque não temos mais condições físicas e a coragem de antigamente, como subir em bonde andando, mesmo porque não existem mais bondes. Falo da sabedoria desperdiçada das artes que nos abandonaram, algumas até úteis.

Quem nunca desejou ainda ter o cuspe certeiro de garoto para acertar em algum alvo contemporâneo, bem no olho? Eu já.

(Luis Fernando Veríssimo)

Pessoas são músicas você já percebeu?


Elas entram na vida da gente e deixam sinais.

Como a sonoridade do vento no final da tarde.

Como os ataques de guitarras e metais presentes em cada clarão da manhã.

Olhe a pessoa que está ao seu lado e você vai descobrir, olhando fundo, que há uma melodia brilhando no disco do olhar. Procure escutar.

Pessoas foram compostas para serem ouvidas, sentidas, compreendidas, interpretadas.

Para tocarem nossas vidas com a mesma força do instante em que foram criadas, para tocarem as suas próprias vidas com toda essa magia de serem músicas.

E de poderem alçar todos os vôos, de poderem voar com todas as notas, de poderem cumprir afinal, todo o sentido que a elas foi dado pelo compositor.

Pessoas são músicas como você. Está ouvindo?

Pessoas têm que fazer sucesso.

Mesmo que não estejam nas paradas.

Mesmo que não toquem no rádio.

(autor desconhecido)

Pedaços do caminho