domingo, 27 de dezembro de 2009

Entre a Bigorna e o Martelo da Adversidade

Michelangelo Buonarroti (1475-1564),mergulhou na arte do Renascimento italiano. Suportou ser espancado quando, aos treze anos de idade, deixou a escola para ser aprendiz de pintor e, em seus últimos anos de vida, suportou dor física, privações e o desfavor dos papas governantes.

Michelangelo foi tirado da mãe no momento do nascimento e mandado para uma ama-de-leite perto de Carrara, região das melhores jazidas de mármore da Itália. Foi devolvido aos cuidados da mãe ao completar dois anos, mas ela ainda jovem morreu quando ele tinha seis anos. Poucos cuidados e atenção ele recebeu a partir daí. Seus biógrafos sugerem que essa profunda perda foi a razão de a figura da mãe prevalecer em sua obra, e que isso também explica o fato de, em suas representações de Jesus e Maria, esta, a mãe, não olhar diretamente para o filho e ter uma ar distante.

Michelangelo disse: “Nasci nas boas montanhas de Arezzo e mamei ouvindo o barulho dos cinzéis e martelos dos cortadores de mármore.” É também possível que, com seu modo de expressar a fórmula masculina perfeita, ele estivesse procurando criar seu próprio eu masculino perfeito, uma pessoa que o negligente pai finalmente aprovaria.

Logo após a morte de sua mãe, seus irmãos mais velhos e o pai, percebendo que ele era diferente deles, maltratavam-no fisicamente e xingavam-no. Artista inato, ele desenhava figuras na parede de sua casa e da escola, pouco se interessando em outra coisa. Finalmente depois de repetidos fracassos, em tudo que tentava fazer, Michelangelo encontrou emprego nos Jardins do Médici, em Florença, Itália. Sua função era preparar blocos de mármore para outros escultores neles trabalharem.

Certo dia, o rapaz fez uma escultura de sua própria imaginação, aproveitando um pedaço de mármore que sobrou. Quando Lourenço de Médici, o banqueiro mais rico da Europa, seu patrão, viu a escultura, imediatamente reconheceu o notável talento de Michelangelo e convidou-o a residir em seu luxuoso palácio, onde lhe foram dados os mesmos privilégios dos filhos de Lourenço.

Quando este faleceu, em 1492, Michelangelo estava pronto a fazer sua próprias criações.

Foi em Roma que Michelangelo produziu sua primeira grande obra de escultura: A morte de Cristo nos braços de Maria.

Á medida que se tornava famoso, Michelangelo foi convocado pelo então Papa Julio II para projetar um grande túmulo, destinado a ser o mausoléu do Sumo Pontífice. Michelangelo apresentou um projeto que compreendia trinta e oito estátuas de profetas e santos, reunidas em torno do túmulo. O Papa ficou muito satisfeito e ordenou que Michelangelo que o executasse.

A intriga com o Vaticano começou, então, a se manifestar. Outros artistas e escultores, entre eles Rafael e seu companheiro, Bramante, que estava incumbido da construção da nova Igreja de São Pedro, então em obras, ficaram tomados de grande inveja diante do favoritismo do Papa por Michelangelo.

Eles convenceram Julio de que não lhe ficava bem construir seu túmulo, enquanto ainda vivia. Por que não mandar Michelangelo pintar o teto da capela particular do Papa? Conhecida como Sistina.

Michelangelo protestou dizendo que era escultor, e não pintor. O fato, porém, é que ele preferia esculpir e sabia que pintar um teto, a vários metros de altura, seria um processo que levaria anos e exigiria o desenvolvimento de novas técnicas de pintura. No entanto, o Papa Julio estava convencido, e Michelangelo deu inicio a quatro anos de trabalho isolado e estafante, que resultaria em sua obra mais famosa.

Nenhum pintor da história da humanidade jamais enfrentara tarefa mais formidável. Se Michelangelo não tivesse sido treinado pela experiência da vida a persistir sob qualquer espécie de penosa adversidade, ele teria desistido antes de começar.

No inicio, Michelangelo contratou outros pintores bem conhecidos para auxiliá-lo; depois de ver os primeiros esforços, porém, demitiu todos eles, apagou o que já tinha feito e se trancou na capela para fazer o trabalho sozinho.

Grande parte da experiência foi de miséria para ele. O Papa Júlio, alternadamente, criticava o seu trabalho e, esquecia de pagá-lo. Ele se debatia com a sua saúde precária, com corrosões e infiltrações na capela; suas roupas transformaram-se em farrapos sobre o seu corpo. Além disso, enfrentava o constante desafio de pintar figuras em perspectiva em uma superfície curva e abobadada. Ele escreveu que com freqüência sentia como se estivesse perdendo o seu tempo, “sem nenhum resultado”. Muitas vezes, repintava figuras que considerava completas. Um amigo lhe perguntou por que se sacrificava tanto para pintar figuras que só seriam vistas à distância: “Quem saberá se estão perfeitas ou não?” Ele perguntou. Michelangelo respondeu: “Eu saberei”.

Michelangelo perseverou até que, no final, completou o maior e mais famoso afresco do mundo. Certa vez ele escreveu: “Eu me esforço mais do que qualquer outro homem que já viveu...e com grande exaustão; mesmo assim, tenho paciência para chegar ao objetivo desejado”.

Quando foram completados, os afrescos de capela que cobriram 1.764,84 m2 e tinham mais de 300 figuras. Os teólogos elogiaram os temas das obras. Os críticos de arte enalteceram sua beleza e a complexidade das figuras. Através dos séculos, milhões de visitantes contemplam com assombro aquilo que se retratou.

É bom refletir um instante sobre o que um homem construiu. Será que se tivesse uma infância suave e tranqüila Michelangelo teria adquirido essa resistência à dor, ao desconforto físico e a fadiga, a insuperável firmeza ante todos os obstáculos, a vontade verdadeiramente indomável para levar a termo uma tarefa?

Você deve ter compreendido, agora, que o caráter e a habilidade são forjados entre a bigorna e o martelo da adversidade.

Talvez você não tenha sido capaz de compreender por que tem tido de suportar tanta coisa. Até agora, você talvez ache que o que tem passado não lhe terá nenhuma utilidade. Tudo isso foi tempo e trabalho perdidos, que jamais serão recuperados!

Nem você poderá recuperar, em muitos casos, o que lhe foi tomado.

Mas certamente compreenderá que hoje está adiante de novas situações e desafios. Não se pode voltar à situação anterior – e começar de lá. Você pode, entretanto, recorrer ao aprendizado de todas as experiências passadas, que vai ajudá-lo a enfrentar e resolver problemas atuais.

Jamais se esqueça de que toda força, coragem, perseverança ou compreensão de que precisa, agora, você já as tem, porque desenvolveu no passado. Portanto, use-as agora!

Do livro Fênix: renascendo das cinzas/Daniel Carvalho Luz (Dvs Editora)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ceda e Seja a Mudança...

“A felicidade que vem de nós mesmos é maior que aquela que obtemos do que nos cerca ...O mundo em que o homem vive é moldado, principalmente, pelo modo como ele o vê.”

Há um poema de autor não conhecido, que é uma grande lição sobre como ceder e mudar:

Ceder não significa parar de me preocupar, significa que eu não posso resolver os problemas de outra pessoa.
Ceder não significa isolar-me, significa que não posso controlar a vida da outra pessoa.
Ceder não é tornar as coisas mais fáceis, mas extrair lições das conseqüências de nossos atos.
Ceder é admitir que tenho limitações, o que significa que o resultado final não depende de mim.
Ceder é não tentar modificar ou culpar outras pessoas; eu só posso modificar a mim mesmo.
Ceder não significa deixar de prestar assistência; significa continuar a demonstrar interesse.
Ceder não é jogar a culpa no outro, mas ter espírito de solidariedade.
Ceder não é julgar, mas admitir que a outra pessoa é um ser humano.
Ceder é não intrometer-se tentando resolver problemas alheios; é permitir que as pessoas encontrem as soluções por conta própria.
Ceder é deixar de ser protetor; é permitir que a outra pessoa enfrente a realidade.
Ceder não é rejeitar, mas aceitar.
Ceder não significa resmungar, censurar discutir, significa aceitar as próprias falhas e corrigi-las.
Ceder não significa adaptar tudo conforme meus desejos, mas aceitar cada dia como ele é e apreciar a cada momento.
Ceder é não criar nem controlar o outro, mas tentar me transformar na pessoa que eu gostaria de ser.
Ceder não é arrepender-se do passado, mas adquirir experiência e viver para o futuro.
Ceder é temer menos e amar mais.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Por que sofremos?

Fiquei sabendo que um poeta mineiro que eu não conhecia chamado Emilio Moura, teria completado 100 anos no mês de Agosto de 2002, caso vivo fosse. Era amigo de outro grande poeta, Drummond. Chegou a mim um verso dele e me chamou atenção:

“Viver não dói. O que dói e a vida que não se vive.”

Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Porque sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz. Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções. Irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado de nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade interrompida.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar. Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. Sofremos não porque o nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

DIA NACIONAL DO SAMBA

Imagem: Internet

A idéia de se estabelecer um dia para homenagear o samba surgiu no encerramento do I Congresso Nacional, realizado entre os dias 28 de novembro e 2 dezembro de 1962, onde se consagrou o Dia do Samba.O dia do Samba, foi instituído pela Câmara de Vereadores da cidade de Salvador em 1940, como parte das homenagens ao compositor Ary Barroso, que um ano antes lançara “Aquarela do Brasil”, com certeza a música mais conhecida, executada e regravada fora do Brasil. Esta foi a data que ele (Ary Barroso) visitou Salvador pela primeira vez.

A festa foi se espalhando pelo Brasil e virou uma comemoração nacional e em 1963 foi instituído o Dia Nacional do Samba. Atualmente duas cidades costumam comemorar o Dia do Samba: Salvador e Rio de Janeiro.Por ser uma data tão importante e impactante para os brasileiros, a festa é geral por toda a parte do país, onde se comemora de acordo com cada cultura. Criada por decreto-lei a data é o reconhecimento aos artistas e a todos aqueles que ao longo de muitos anos fizeram do Carnaval a maior expressão da cultura popular brasileira. O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional aprovou, em 9 de outubro de 2007, em votação de seu conselho consultivo, o samba carioca como patrimônio cultural imaterial do Brasil, nas suas três principais formas de expressão: o partido alto, o samba de terreiro e o samba-enredo.

O samba é Meu Dom

Aprendi bater samba ao compasso do meu coração
De quadra, de enredo, de roda, na palma da mão
De breque, de partido alto e o samba-canção
O samba é meu dom
Aprendi dançar samba vendo um samba de pé no chão
No Império Serrano, a escola da minha paixão
No terreiro, na rua, no bar, gafieira e salão
O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Ataulfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Donga, Ciro e João
O samba é meu dom
Aprendi muito samba
Com quem sempre fez samba bom
Silas, Zico, Aniceto, Anescar, Cachinê, Jaguarão
Zé com Fome, Herivelto, Marçal, Mirabô, Henricão
O samba é meu dom
É no samba que eu vivo
Do samba é que eu ganho o meu pão
E é no samba que eu quero morrer
De baqueta na mão
Pois quem é de samba
Meu nome não esquece mais não.

Wilson das Neves - O samba é meu dom



Uma pequena homenagem à todos que, assim como eu, adoram um...
Samba Bom...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Para onde vão nossas memórias ?

Quando se aproximam as celebrações de final de ano, bate em mim certa nostalgia, com um misto de saudade, que, pelo menos para mim, soa como algo bom, mas que remexe em nossos baús interiores de forma muito intensa. Essa sensação bate forte, como que dizendo: e agora, para onde irão as nossas memórias? Se for olhar para a sociedade atual, veremos que o tempo está cada vez mais precioso. Precioso? Sim. Mas ao mesmo tempo está se distorcendo os valores com relação a esse mesmo tempo. Estamos tão focados no “ter, que o “ser”, está se perdendo... Ao mesmo tempo em que voamos em segundos de um ponto ao outro do globo, estamos cada vez mais distantes de nós, e muitas vezes, daqueles que amamos. Falo isso, por lembrar com saudade, da época em que se dedicava tempo para escrever uma carta, seja para um amigo, parente ou mesmo para um amor distante. Essa dedicação era prazerosa para quem escrevia, assim como, para quem a recebia. Porque ao mesmo tempo em que se viajava nas memórias, compartilhando-as, sentíamos como se em cada palavra escrita, um pedacinho de nós estava junto. Era a nossa alma sendo discorrida em versos, não versos de poeta, mas versos trazidos de nossas memórias.
Hoje, trocamos correios eletrônicos, com uma velocidade ímpar. Mas essa mesma velocidade, onde come-se palavras, para ganhar tempo, cria ilhas em lugares habitados por pessoas. Essa mesma velocidade acaba por se tornar algo intoxicante que vai aos poucos nos tornando solitários de nós mesmos. Troca-se correios com o colega ao lado. Os olhares, os toques, os sorrisos e as palavras ditas com o coração, estão se tornando atitudes raras. Muito raras. Não olhamos mais para quem está ao nosso lado. Temos medo de olhar, de sorrir ao dar um bom dia, porque temos pouco tempo, estamos atrasados, não tenho tempo, depois eu ligo, depois eu escrevo, depois, depois, depois... e as nossas memórias vão ficando como em um vácuo, sem terem para onde ir... Ernesto Sabato (nascido em 24 de junho de 1911) é um escritor argentino que retrata muito bem nessas palavras: "O Homem não pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autômato será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidão, e tão inseparável da Vida do Homem como a sucesso das estações e inseparável das plantas, ou o nascimento das crianças. Estamos no caminho, mas não a caminhar (...) talvez a aceleração tenha chegado ao coração que já lateja num compasso de urgência para que tudo passe rapidamente e não permaneça. Este destino comum é a grande oportunidade, mas quem se atreve a saltar para fora? Já nem sequer sabemos rezar porque perdemos o silencio e também o grito."
Ah! Nossas memórias, tão belas, mesmo as mais tristes, foram elas que nos fizeram crescer, alimentar sonhos, amar, chorar, alimentar esperanças. Era assim, que eu via o carteiro, figura tão importante na época de minha adolescência e juventude... Onde se contava os dias, as horas para que ele chegasse com uma carta na mão, e você via seu nome escrito ali como uma declaração de amor por você. Por isso, minha gratidão eterna a esse profissional, que leva e trás sonhos a tantas pessoas, mas que em muitos momentos nos dias atuais, passa despercebido... é só mais um na multidão. Mas não o será se o olharmos como um mensageiro. Aquele que trás notícias de longe de quem você há muito tempo não vê.
Dedico essa minha cartinha a todas as pessoas, que, assim como eu, ainda conservam essa doce nostalgia, e que ainda tiram um tempo precioso, para pegar a caneta na mão e começar a tecer os fios de histórias das memórias que não querem ficar no vácuo, mas sim, nas mãos e coração de alguém que mora distante.
Que nesse encerrar ciclo, você, que tirou um tempo precioso para percorrer o caminho de minhas palavras, possa relembrar, rememorar doces lembranças e trazer para esse novo tempo a figura do nosso querido mensageiro das memórias. E, sorrindo lhe dizer: Obrigado por ser meu mensageiro! Obrigado, Senhor Carteiro.
FELIZES CELEBRAÇÕES DE FINAL DE ANO!
FELIZES MEMÓRIAS PARA TODOS VOCÊS!

Abraços com muito carinho
Stella Marcia Petrazzini
Psicóloga

domingo, 25 de outubro de 2009

Achei que ausência era falta...

O Drummond escreveu um poema chamado “Ausência”. Não sei a propósito de quê – se era por causa de um amor perdido, de uma pessoa querida que estava longe – a saudade doía. E ele escreveu, para se explicar e consolar:

Por muito tempo achei que ausência era falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.

É isto: a cena – presente diante dos meus olhos – faz acordar uma ausência na minha alma. Daí a minha tristeza mansa. O presépio me faz lembrar algo que tive e perdi. Essa ausência tem o nome de saudade. Eu não tenho saudade. É a saudade que me tem. Mora, dentro de mim, a “ausência” de um presépio. Saudade é sentimento de quem ama e perdeu o objeto do amor. Quem não amou e não perdeu o objeto do amor não sente saudade. Pode ficar alegrinho. As muitas celebrações alegres – não revelarão elas que os celebrantes não sofrem saudade? Celebram, talvez, porque na sua alma não mora a “ausência” de um presépio. Mas o que eu quero mesmo, mesmo, é fazer como o Drummond: aconchegar a minha saudade nos meus braços. Porque a saudade é um estar em mim. Assim, por favor, não tentem me consolar.
Vou transcrever um texto de Octávio Paz. É um dos meus textos favoritos. Por isso quero pedir que você o leia bem devagar. Contemple as vacas do presépio que ruminam sem pressa. Leia bovinamente, como quem rumina...

“Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para um outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tínhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tanto e tão esmagadoramente reais. Não, isso que estamos vendo pela primeira vez, já havíamos visto antes. Em algum lugar, onde nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E a surpresa segue-se a nostalgia. Parece que recordamos e queríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiqüíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos encantado...Adivinhamos que somos de outro mundo”.

Octávio Paz está descrevendo uma experiência mística: quando, de repente, as coisas banais do cotidiano se abrem como portas, e somos levados a um outro mundo. Pode ser um perfume indefinível, pode ser uma fotografia que já vimos vezes sem conta, pode ser uma música vinda de longe... De repente experimentamos êxtase – estamos fora de nós mesmos, encantados -, somos transportados para um mundo que nem sabemos direito o que seja, Já estivemos lá. Não mais estamos. E vem a nostalgia. Queríamos voltar. A alma sempre deseja voltar. O mundo das novidades é o mundo do seu exílio.

Trecho das páginas 137,138,139 e 140 do Livro Se eu pudesse viver a minha vida novamente...
do brilhante escritor Rubem Alves.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A terceira margem do Rio

O bom da literatura é que ela nos faz viajar por tempos e lugares aonde a gente nunca foi e nunca irá. Mesmo porque as coisas que existem na literatura não existem na realidade. A literatura tem poderes dos deuses: ela faz existir coisas que nunca existiram e chama as coisas que não são como se fossem. Veja só este fragmento de Bernardo Soares, uma das personalidades de Fernando Pessoa: “ O vapor em que parti chegou de vela ao porto. Que isso é impossível, dizeis. Por isso me aconteceu.” Aconteceu por ser impossível. Que é absurdo, é! Navios a vapor não se transformam em navios a vela ao meio da viagem. Mentira na realidade, verdade na literatura. As coisas que não existem são mais interessantes. E não é por isso que se invocam os deuses? O que não existe tem mais força. Acho que é por isso que o apóstolo João começou a sua estória dizendo que “no princípio era o verbo” e “o verbo era Deus”.

Bernardo Soares tinha um profundo desprezo pelas viagens e pelos viajantes. Dizia: “Que é viajar? Para que serve viajar? Qualquer poente é poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. Nunca desembarcamos de nós. Quem cruzou todos os mares somente cruzou a monotonia de si mesmo.” Antigamente, os médicos prescreviam viagens como remédio para a depressão. Imaginavam que, viajando para outros lugares, a depressão ficaria para trás. Mas tristeza não desembarca. Viaja junto. Somos um baú cheio. Quando viajamos, o baú, com tudo o que está dentro, vai junto. Chegamos lá, abrimos o baú e nos pomos a representar a mesma comédia que representamos sempre.

Nos feriados é obrigatório viajar. Quem não viaja é um desgraçado. É sabido que todas as pessoas “normais” viajam. E todo mundo quer ser normal. Até já criaram a palavra normose para dar nome a essa perturbação de querer ser normal. Quem não viaja é ou por não ter dinheiro, ou por estar de plantão, ou por ter de cuidar de alguém doente. Não importa as explicações. Vale o fato bruto: não viajou.

Mas a literatura faz possível viajar por dentro sem ter de sair do lugar. Minhas maiores viagens, eu fiz pela leitura. E o que sou tem muito a ver com o que li. As viagens que eu fiz com o carro e avião só valeram pela literatura que nelas aconteceu, enquanto viajava. Não que eu escrevesse livros. Acho difícil escrever fora do meu lugar. Para escrever, minha alma tem que se sentir em casa. Fiz literatura pensando, escrevi livros na imaginação que nunca escrevi no papel.

O benefício de ficar em casa no feriado, quando todo mundo viaja, está em que não se corre o risco de ficar preso em uma pousada ouvindo o barulho da chuva que cai e vendo a neblina que tudo cobre, mascando tédio. Por via das dúvidas é sempre sábio levar um livro...

Trecho das páginas 142, 143 e 144 do Livro “Se eu pudesse viver minha vida novamente”...(Rubem Alves, Verus Editora, 2004)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Eu sou...

Eu sou os brinquedos que brinquei, as gírias que usei e uso, eu sou os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardo, eu sou as minhas praias preferidas, eu sou o renascido depois do acidente que escapei, aquele amor atordoado que vivi, a conversa séria que tive um dia com meu pai, eu sou aquilo que eu lembro.

Eu sou a saudade que sinto da minha mãe, a infância que eu recordo, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que me arrancou lágrimas, eu sou o que eu choro.

Eu sou o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, eu sou o pêlo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, eu sou as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados na garganta, os pedaços que junta, a gargalhada, o beijo, eu sou o que você desnuda.

Eu sou a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, eu sou o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, eu sou aquele que torce pelo Vasco, que cansado não desiste, eu sou aquele que aprecia um, dois...chopes com saideira no botequim, eu sou aquele que curte uma boa música (Chico Buarque), eu sou a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, eu sou aquilo que eu queimo.

Eu sou aquilo que reivindica, o que consigo gerar através da verdade e da luta, os direitos e deveres que tenho, eu sou a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, eu sou aquilo que eu pleiteio.

Eu não sou só o que como, bebo e visto. Eu sou o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Eu sou o que ninguém vê.

Eu sou, é uma adaptação da inteligente crônica Você é, da escritora Martha Medeiros (do livro Non-Stop ,Crônicas do Cotidiano)

sábado, 5 de setembro de 2009

Dicas...

A coisa mais importante para se fazer nesse domingo: ver os ipês floridos! Mas, por favor: não olhe para eles de dentro do carro. Saia. Fique debaixo deles e olhe para cima. Se o céu estiver azul você verá aquelas bolas de flores rosa contra o azul do céu. Você já ensinou seu filho a ver? Pois trate de ensinar. Mostre a árvore de longe. Mostre de perto. Mostre uma flor. Explique a sua simetria: pentagonal...Olhando para as flores se aprende matemática, se aprende pensar abstratamente...A propósito esse poema de Emily Dickinson(1830-86)"Alguns guardam o domingo indo a Igreja -/Eu o guardo ficando em casa-/Tendo um sabiá como cantor-/E um pomar por Santuário./-Alguns guardam o Domingo em vestes brancas-/Mas eu só uso as minhas asas-/E ao invés do repicar dos sinos da Igreja-/nosso pássaro canta na palmeira./-É Deus que está pregando, pregador admirável-/E o seu sermão é sempre curto./Assim, ao invés de chegar ao céu, só no final-/eu o encontro o tempo todo no quintal."

do livro Crônicas: educação / Rubem Alves; Samuel Lago

sábado, 29 de agosto de 2009

A palavra foi feita para dizer...

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem o seu ofício.
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torce uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Graciliano Ramos

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Trem noturno para Lisboa

Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies. Pensando e sentindo diferentemente.
Fernando Pessoa, Livro do desassossego, anotações 30/12/1932.

Gregorius pegou o livro e leu: AMADEU INÁCIO DE ALMEIDA PRADO, UM OURIVES DAS PALAVRAS! LISBOA 1975.
O livreiro, que havia se aproximado, lançou um olhar sobre o livro e pronunciou o título. Gregorius só escutou uma seqüência de sons chiados; as vogais engolidas, mal audíveis, pareciam apenas um pretexto para que se pudesse repetir sempre de novo aquele “ch” no final.
- O senhor fala português?
Gregorius fez que não com a cabeça.
- Um ourives das palavras, não é belo esse título?
- Calmo e elegante. Como prata fosca. Por favor, poderia repeti-lo em português?
O livreiro repetiu as palavras. Era evidente que, para além das palavras, ele se deliciava com a sua sonoridade aveludada. Gregorius abriu o livro e folheou-o até o início do texto. Entregou-o ao homem que lhe lançou um olhar levemente surpreso, porém simpático, e começou a ler. Gregorius cerrou os olhos. Depois de algumas frases, o livreiro parou.
- Quer que traduza?
Gregorius fez que sim. Em seguida, escutou frases que desencadearam nele um efeito atordoante, pois parecia que tinham sido escrito só para ele, mas não só isso, especialmente para ele naquela manhã em que tudo havia mudado.

De mil experiências que fazemos, no máximo conseguimos traduzir um em palavras, e mesmo assim de forma fortuita e sem merecimento de cuidado. Entre todas as experiências mudas, permanecem ocultas aquelas que, imperceptivelmente, dão às nossas vidas a sua forma, o seu colorido e a sua melodia. Quando depois, tal qual arqueólogos da alma, nós nos voltamos para esses tesouros, descobrimos quão desconcertantes eles são. O objeto da observação se recusa a ficar imóvel, as palavras deslizam para fora da vivência e o que resta no papel no final não passa de um monte de contradições. Durante muito tempo acreditei que isso era um defeito, algo que deve ser vencido. Hoje penso que é diferente, e que o reconhecimento de tamanho desconcerto é a via régia para compreender essas experiências ao mesmo tempo conhecidas e enigmáticas. Tudo isso parece estranho, eu sei, até mesmo extravagante. Mas desde que passei a ver as coisas assim, tenho a sensação de, pela primeira vez, estar atento e lúcido.

- Isto é a introdução – disse o livreiro, começando a folhear.
- E agora, parece, ele começa a tentar escavar as experiências ocultas, parágrafo após parágrafo. Tornar-se o seu próprio arqueólogo. Há parágrafos de várias páginas, outros muitos breves. Eis aqui um, por exemplo, que consiste de uma única frase.
Ele traduziu:

Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com o resto?

Trecho das páginas 24 e 25 do Livro Trem noturno para Lisboa, Pascal Mercier, pseudônimo de Peter Bieri(Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela Editora Record Ltda)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sonhei com o escritor...

Ler é um dos meus maiores prazeres da vida, não saio de casa sem a companhia de um livro.
Dentre os formidáveis escritores que já li, destaco o genial Rubem Alves o meu preferido, talvez seja pela maneira observadora, simples e inteligente que ele vê e escreve sobre a Vida.
Uma noite dessas sonhei com o Rubem, e no meu sonho eu buscava o sinônimo de uma palavra, não sei escrever que palavra era, só sei dizer que graças a essa palavra que não sei qual era, eu consegui me aproximar ainda mais desse sábio da vida e das palavras.
No sonho eu ligo para o número do telefone do escritor para pedir ajuda, contei a ele da minha necessidade, só que para minha surpresa e não conseguia escutá-lo, mesmo assim continuei falando com entusiasmo, alegria e satisfação que era em conhecê-lo.
Talvez numa noite dessas , enquanto estiver dormindo e sonhar espero dessa vez ouvi-lo e se na luz do sol eu encontrá-lo e poder tomar um simples café na sua companhia , escutarei se a emoção deixar e terei um dos meus sonhos realizados.
Valeu meu caro amigo Rubem é bom viver nessa terra e saber que você existe. E não é simplesmente um sonho.

Pedaços do caminho